O “irritante” judicial que envolveu o ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente, foi um dos casos que marcou, na política externa portuguesa, a legislatura que agora termina, e que ao ser ultrapassado permitiu normalizar as relações entre os dois países. Sem esquecer, é claro, a elevação a um nível nunca visto do índice de bajulação dos políticos lusos ao MPLA.
A acusação ao ex-governante angolano, na altura dos factos presidente da Sonangol, condicionou durante meses as relações entre Angola e Portugal, com o Governo angolano a pedir, a rogar e, finalmente, a impor (mandando às malvas a separação de poderes) que ao abrigo do acordo de cooperação judiciária da CPLP, a transferência do processo para Luanda onde jaz no arquivo morto do regime do MPLA.
O processo da Operação Fizz tem na base acusações (que todo o mundo sabe serem impossíveis de acontecer em Angola) de corrupção e branqueamento de capitais e tem três arguidos em Portugal e um em Angola, o ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente.
Logo após a dedução da acusação, em Fevereiro de 2017, as autoridades angolanas cancelaram uma visita programada para o mesmo mês da ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunem, no início de perturbações no relacionamento entre as diplomacias dos dois países, que o chefe do Governo português, António Costa (líder do PS e irmão do MPLA na Internacional Socialista), classificou como “irritante”.
Um ano e meio depois, o julgamento da Operação Fizz encontra-se na fase de alegações finais em Lisboa, enquanto o processo contra Manuel Vicente foi, entretanto, separado e enviado para Luanda, conforme exigiam as autoridades angolanas, e o “irritante” desapareceu.
A decisão de separar o processo contra Manuel Vicente do principal, que está a ser julgado em Portugal, foi tomada após um recurso da defesa do ex-vice-Presidente angolano para o Tribunal da Relação.
Manuel Vicente foi acusado pela justiça portuguesa de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
O Ministério Público português considerou ter provas de que o ex-procurador Orlando Figueira, um dos arguidos, recebeu 760 mil euros para arquivar processos de Manuel Vicente no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), um deles o caso da empresa Portmill, relacionado com a aquisição em 2008 de um imóvel de luxo situado no Estoril.
Só depois de concretizada a transferência, em Junho, é que se realizou a visita oficial a Luanda do primeiro-ministro português, António Costa, a 17 e 18 de Setembro, a primeira de uma comitiva de alto nível (mesmo que trajando calças de ganga) portuguesa desde 2011.
A tensão diplomática entre Portugal e Angola culminou em Novembro com a visita oficial do Presidente João Lourenço a Lisboa, a primeira de um chefe de Estado angolano (tal como os anteriores não nominalmente eleito) numa década, e com a posterior deslocação reverencial e servil do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a Luanda, já em Março deste ano.
Em Portugal, João Lourenço prometeu “um clima desanuviado” nas relações entre os dois países e assegurou que gostaria de “ver os empresários portugueses em força em Angola”. Recebeu de Portugal garantias de apoio ao processo de repatriamento de capitais retirados ilicitamente de Angola.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa assinalou o “desafio histórico” que representa a normalização das relações institucionais para os dois países e a necessidade “não é apenas o encerrar um capítulo do passado, mas de olhar para o futuro”
Outros capítulos da bajulação portuguesa
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente (nominalmente eleito) de Portugal encontrou-se no dia 5 de Agosto de 2016, no Brasil, com o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e com o ministro das Relações Exteriores de Angola, Georges Chikoti, e o embaixador de Angola no Brasil, Nelson Cosme.
Como se sabe e como, aliás, já aqui foi escrito, Marcelo Rebelo de Sousa é o político português mais habilitado (a par do primeiro-ministro António Costa) para não só cimentar como também alargar as relações de bajulação e servilismo com o regime de Angola. Marcelo sabe que – do ponto de vista oficial – Angola (ainda) é o MPLA, e que o MPLA (ainda) é Angola. Portanto… Siga a fanfarra.
Angola é, por exemplo, um dos países lusófonos com a maior taxa de mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas. Mas o que é que isso importa aos políticos portugueses? Importante é saber que o regime (com José Eduardo dos Santos ou João Lourenço) é um dos mais corruptos do mundo.
Aliás, muitos dos angolanos (70% da população vive na miséria) que raramente sabem o que é uma refeição, poderão certamente alimentar-se com o facto de terem assistido, ao vivo e a cores, ao beija-mão de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e (quase) todos os outros políticos portugueses, ao “querido líder” Eduardo dos Santos e ao seu sucessor, João Lourenço.
Os pobres em Angola estão todos os dias a aumentar e a diminuir. Aumentam porque o desemprego aumenta, diminuem porque vão morrendo. Mas a verdade é que esses angolanos não contam para Marcelo Rebelo de Sousa, tal como não contam para António Costa, tal como não contaram para Passos Coelho ou José Sócrates.
É claro que, segundo a bitola dos políticos portugueses, continua a haver bons e maus ditadores. Muammar Kadhafi passou a ser mau e Eduardo dos Santos também. Bastou para isso terem deixado o Poder.
Portugal continua de cócoras perante o regime esclavagista de Luanda, tal como estava em relação a Muammar Kadhafi que, citando José Sócrates, era “um líder carismático”. Talvez um dia Portugal chegue à conclusão de que não há jacarés vegetarianos.
Será que alguém vai perguntar a António Costa, Rui Rio, Assunção Cristas, Jerónimo de Sousa ou Cataria Martins, o que pensam dessa farsa a que se chama democracia e Estado de Direito em Angola? Não. Basta ver que, mesmo antes de ser declarado vencedor das “eleições” do dia 23 de Agosto de 2017, já João Lourenço era felicitado pelo Presidente da República de Portugal…
Certo será que, nesta matéria, os principais políticos portugueses continuam a pensar da mesma forma, dizendo todos que Angola nunca esteve tão bem, mesmo tendo 70% dos angolanos na miséria.
De facto, como há já alguns anos dizia Rafael Marques, os portugueses só estão mal informados porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos portugueses fazem um esforço tremendo (certamente bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.
Portugal sempre submisso às ditaduras
No dia 27 de Novembro de 2015, o secretário-geral do MPLA, Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, disse em entrevista/recado/encomenda à agência Lusa, esperar que o novo Governo socialista português “mantenha relações boas” entre os dois estados.
O dirigente angolano falava à margem da reunião anual da Internacional Socialista, em Luanda, encontro em que a comitiva portuguesa do PS foi aplaudida pelos restantes representantes da IS.
“As nossas relações entre povos, estados, não podem ser perturbadas, seja qual for a situação. Seja quem vier, quem estiver lá em Portugal a dirigir, nós teremos sempre as melhores relações com o Estado, Governo ou com o povo português”, afirmou Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”.
O então secretário-geral do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, sublinhou que as relações com o PS “nunca foram más”, apesar da acção de algumas “alas”, mas algo que “já pertence ao passado”.
“Nós não damos muita importância àquilo que dizem contra nós. O que nós queremos é que quem estiver em Portugal tenha e mantenha relações boas com Angola. Existem relações entre nós, até quase familiares”, insistiu o dirigente do MPLA.
“Que haja um ou outro a querer problemas com Angola, nós não ligámos muito. O que importa a Angola é manter as mesmas relações que tivemos desde a nossa independência com Portugal. Seja quem estiver lá no Governo, que mantenha as melhores relações connosco”, enfatizou.
Questionado sobre a preocupação que algumas figuras do regime angolano têm demonstrado, publicamente, com a influência do Bloco de Esquerda, o secretário-geral do MPLA desvalorizou.
Em síntese, o MPLA quer que Portugal mantenha, ou aumente, o nível de bajulação ao “querido líder”, seja ele quem for. E isso aconteceu, acontecerá sempre. O Parlamento português tem, no caso das relações com o regime do MPLA, uma esmagadora maioria de invertebrados bajuladores. PSD, CDS, PS e PCP fazem desse misto de sabujice e bajulação um modo de vida, uma forma de subsistência. A excepção é, já foi mais, o BE.
Folha 8 com Lusa